Breve histórico sobre a região do Baixo Augusta
Bem conhecida entre os paulistanos e símbolo da cidade, a região do Baixo Augusta apresenta não só diversas nuances como também uma história rica e essencial na construção da própria cidade de São Paulo.
Tal região se configura como sendo a extensão da Rua Augusta, sentido Centro, até as proximidades da Praça Roosevelt.
A concepção da Rua Augusta ocorreu no século XIX, época na qual a cidade passava por grandes mudanças sociais e urbanas cujas consequências podem ser observadas até hoje na região.
Em primeiro lugar, é importante ressaltar a sua importância geográfica, uma vez que a rua faz a ligação entre os novos bairros da elite paulista com o centro da cidade. Ou seja, a Rua Augusta é, desde seu princípio, um importante ascendente do vetor sudoeste da cidade.
Além disso, a forma de ocupação dada por seus moradores, loteadores, inquilinos e empresas também é um ponto importante. O perfil e a forma das ocupações estabelicidas ali foram dados organicamente através de negociações e conflitos entre os diversos agentes do espaço.
A futura Rua Augusta fazia parte de duas importantes chácaras: a maior parte nos territórios da Chácara do Capão – pertencente a Mariano Queiroz e a Martinho Prado.
A Rua Augusta teve uma ocupação diversificada, na qual classes sociais diferentes e diversas funções coexistiram desde o seu nascimento.
Pode-se observar uma concentração de determinadas funções e grupos sociais em seções separadas da rua, concentrando-se na região mais próxima da avenida Paulista os palacetes voltados para a elite, e na parte intermediária da rua (entre as Ruas Antônia de Queiroz e Mathias Ayres) as edificações de uso misto e casas de classe média baixa de operários.
No período pós-guerra, a partir da segunda metade da década de 1940, a cidade de São Paulo enfrenta uma ebulição social e cultural motivada principalmente pela figura dos jovens e dos universitários, que vai ajudar no desenvolvimento de estabelecimentos voltados ao entretenimento na metrópole.
A década de 1980 marca um momento de grande crise econômica no Brasil e de profundas transformações na cidade de São Paulo que vão diretamente impactar na forma de ocupação do espaço da Rua Augusta.
Ao mesmo tempo a importância da cidade de São Paulo no mercado econômico e produtivo global faz com que diversas empresas procurem fixar suas sedes no centro econômico da cidade. A influência da Rua Augusta é imediatamente sentida em duas instâncias. Os terrenos mais próximos da avenida Paulista vão servir para a construção de prédios e escritórios comerciais e o lado central da rua passa a receber um interesse maior em hotelaria.
O lado central da rua Augusta passa a abrigar em 1970 territórios de prostituição tanto de rua (trottoir) quanto de estabelecimentos como saunas mistas, motéis, casas de massagens, entre outros. O espaço foi favorável para receber parte da expansão dos territórios da prostituição que ocorria na cidade de São Paulo dado alguns fatos: A região se tornou uma área de transição ou de deterioração (Intitulada por Lucila Hermann) – a localização privilegiada perto de uma centralidade econômica, no caso a avenida Paulista, acarreta em uma elevação no preço do terreno, obrigando os proprietários a vender os edifícios para construção de prédios modernos ou a alugá-los a funções parasitárias e segregadas (HERMANN, 2005, P.122). Outro ponto é que a alta qualidade dos hotéis e a proximidade com a avenida Paulista ajuda no fornecimento de uma clientela de alto poder aquisitivo. Por último a rua Augusta era um eixo viário privilegiado que ligava o centro a bairros nobres do sudoeste, tendo fluxo constante de veículos dia e noite.
Apesar de já frequentada por grupos sociais diversos, no início do século XXI a Rua Augusta ganha visibilidade midiática e um fluxo maior de jovens circulando na rua, sobretudo a partir de 2005, com o estabelecimento da casa noturna Vegas na região. Já iniciada com o fechamento de diversas boates de prostituição em 2000, a pretendida “revitalização” do espaço ganha corpo no sucesso das casas noturnas e é divulgada com exaltação pelos jornais da época. A região é apelidada de “Baixo Augusta” e logo identificada como pólo de diversão noturna de diferentes grupos sociais jovens.
Relevância para a comunidade LGBT+ e sua memorialização
O termo Baixo Augusta é, praticamente, um símbolo de espaço de diversidade, criatividade artística e do movimento de reocupação das ruas pelos jovens. Quando se faz uma pesquisa simples sobre Baixo Augusta em canais de informação, encontra-se, recorrentemente, conteúdos sobre produção artística, festas famosas estabelecidas na região e, principalmente, diversidade.
Além de ser um espaço onde se estabelecem e se fortalecem as relações, a Rua Augusta é, também, um espaço livre de expressões: grafites, exposições, flashmobs, “rolezinhos”, pichações e muitas outras intervenções são bem vindas na rua. Deste modo, cada vez mais, a Rua Augusta também se torna uma região onde manifestações coletivas, causas políticas e causas sociais se mesclam ao meio da diversão e da socialização.
Essa mistura e sensação de liberdade de expressão proporcionada pela Rua Augusta a torna, portanto, um espaço de expressão de extrema importância para a comunidade LGBT+ de São Paulo.
Um exemplo, ocorrido em 2003, foi o “Beijaço” em frente ao Shopping Frei Caneca. Após uma proibição de expressões de carinho e beijos entre casais homoafetivos na região, o movimento do “Beijaço” foi articulado pela comunidade LGBT+ e juntou mais de 2.000 casais em um protesto inovador.
Na época, o que era um ato coletivo contra a homofobia da cidade de São Paulo, tornou-se um marco na história da região e na forma como as minorias a ocupam. Desde então, não apenas por conta do “Beijaço”, mas por uma série de ações de expressão de diversidade, a região é um ícone da comunidade LGBT+.
De 2003 para cá, governos mudaram, estabelecimentos se fecharam e milhões de pessoas passaram pela Rua Augusta. Nos últimos 15 anos, mais espaços voltados à comunidade LGBT+ foram criados na região – desde lojas até baladas. E o que fica é a forma como as pessoas ocupam e tratam a Rua Augusta: um espaço de liberdade e expressão.
Alguns exemplos de como essa região já foi retratada:
1)O filme “Alguma coisa assim” mostra Rua Augusta em mutação. O longa de Esmir filhoe Mariana bastos faz crônica de uma boemia que não existe mais. Filmado ao longo de dez anos, o drama Alguma Coisa Assim retrata uma noite que passou por mutações. O longa de Esmir e Marina serve também como cápsula do tempo para um geração, hoje passada da casa dos 30, que se deixou perder nas pulsações daquela vida paulistana
“Era 2013 já, e a rua tinha se transformado. A Lei Cidade Limpa, que passou vigorar em 2007, havia varrido os grandes luminosos dos estabelecimentos, começaram a pipocar prédios de escritórios onde antes haviam inferninhos, e o termo “Baixo Augusta” já não precisava mais vir acompanhado de uma explicação”
2)Série Rua Augusta – Original da TNT. Diretor Pedro Morelli e protagonista Fiorella Mattheis.
3) Programas especiais voltados para o público LGBT+ no espaço Unibanco de Cinema na Rua Augusta
[Texto de Ana Magalhães]
Faça o download da sinalização para esse lugar de memória aqui!
Referências:
HERMANN, Lucila. Estudo de desenvolvimento de São Paulo através da análise de uma radial: a estrada do Café(1935). Inrevista Espaços e Debates, 46. São Paulo. Annablume, 2005
PISSARDO, Felipe. A Rua Apropriada: um estudo sobre transformações e usos urbanos na Rua Augusta(São Palo, 1891 – 2012). São Paulo, 2013