Breve histórico da Galeria Metrópole
O Edifício Metrópole e Centro Metropolitano de Compras, a chamada Galeria Metrópole, é um ícone importante da arquitetura moderna na cidade de São Paulo pelas relações que seu projeto estabelece com o espaço urbano em seu entorno. Foi projetado na década de 1960 pelos arquitetos Salvador Candia e Gian Carlo Gasperini. A Galeria Metrópole se situa na Avenida São Luiz, a qual fazia parte do sistema viário do Plano de Avenidas de 1930, do então prefeito de São Paulo, Prestes Maia. É interessante notar o cuidado que o projeto teve em conciliar um formato da arquitetura moderna e os arranjos espaciais presentes na cidade tradicional. Esse fator levou a um edifício que é, ao mesmo tempo, a reparação das descontinuidades espaciais presentes em seu entorno urbano, e um caráter inovador ao estabelecer relações que o edifício possui com o mesmo ao oferecer um espaço interno que é continuação do externo em sua implantação, tendo toda uma circulação vertical e a torre do edifício que crescem a partir de então.
O centro comercial era um ponto luxuoso nos anos 1960 e começo dos anos 1970, com diversos bares cheios de universitários. O anúncio de lançamento do complexo mostra carros sofisticados e um público elegante nas varandas do prédio. Um texto de anúncio do edifício destacava os 1.200 metros de vitrines, 14 escadas rolantes ‘para subir e para descer’, boate, ‘bar americano e grill room’ e cinema para 1.200 pessoas. Além disso, 80 conjuntos para escritórios servidos por cinco elevadores, 20 mil metros quadrados de lojas e 100 metros de frente para três ruas. As obras, inclusive, estavam acontecendo 24 horas por dia.
O golpe militar de 1964 demora para surtir efeito no local: 1966-1967 foi o auge da Galeria Metrópole. Só a partir do AI-5, em 1969, houve um grande momento de blitz maciça. Na Galeria Metrópole foram fechadas suas três portas, e em camburões levaram todos presos. Isso diminuiu a frequência e a Galeria Metrópole caiu no declínio. Em um mercado que pedia diferenciação, suas lojas padronizadas deixaram de ser competitivas. Nesse período, a violência no centro de São Paulo também cresceu, afetando todo o comércio da região. Em 1981, a revitalização da praça D. José Gaspar, a recuperação das calçadas e o novo planejamento de jardinagem, com floreiras que cortavam a av. São Luís, prometiam dar uma nova cara ao centro e reanimar o comércio da galeria. Atualmente, o conjunto abriga agências de turismo, escritórios, lojas e restaurantes e experimenta o movimento de revalorização do centro de São Paulo.
Relevância para a população LGBT+ e sua memorialização
A década de 50 traz os primeiros points gays na cidade de São Paulo. Na realidade, eram bares que não se identificavam como “gays”, mas que eram ocupadas por esse público. No lugar em que, futuramente, seria erguida a Galeria Metrópole já existiam dois bares frequentados por homossexuais, o Barbazul e o Arpege, como conta Perlongher em seu livro “O negócio do michê: prostituição viril em São Paulo”. O Barbazul tinha um caráter mais refinado, pessoas de traje social, enquanto o Arpege era mais boteco, não tinha mesinhas como o Barbazul, era um bar de balcão. Além desses, continuando pela rua São Luís (onde atualmente é a Praça Dom José Gaspar), já existiam outros dois bares frequentados por gays: o Cremeirie e o Pari Bar.
O centro da cidade nos anos 60, como conta o historiador e professor, James Green, no documentário “São Paulo em Hi-Fi”, não era perigoso, era o centro intelectual, cultural, tinha cinemas e cineclubes. Era uma cidade muito mais acolhedora e as coisas aconteciam em um determinado pedaço da cidade, basicamente na Galeria Metrópole. Desde a época de sua construção, muitos gays testemunham que já era planejada a ocupação do local “Quando esse lugar abrir, vai ser nosso!” E assim começa a ocupação da Galeria Metrópole como point gay de São Paulo.
“Ponto quente da vida gay paulistana era a Galeria Metrópole. Cheia de bares, boates, inferninhos, fliperamas, galerias, livrarias, escadas rolantes, etc., a Galeria misturava não só o mundo gay, mas também intelectuais, artistas, poetas, encucados, suicidas, prostitutas, gigolôs, cafetinas, músicos, e mais a bossa nova, o jazz, o rock, a tropicália, a psicodélica, o álcool, as drogas e, é claro, a polícia. Enfim, misturava tudo e todos, de Chico Buarque a Silvia Pinel, todo mundo deu, nem que en passant, uma geral pela galeria, onde o “Barroquinho” de Zilco Ribeiro era ponto chique.” conta Perlongher em seu livro.
Green conta que tinha uma escada rolante lá que era maravilhosa para “pegação”, as pessoas subiam, desciam e ficavam paquerando. Samuel Oliveira, empresário, conta no mesmo documentário, que a Galeria Metrópole ficou estigmatizada como um ponto de “viados”. Era um lugar que se você passasse lá à noite era taxado de “viado”.
Os bares dentro da galeria e em seu entorno também foram ocupados pelos gays: Barroquinho, Leco, Paribar. Além do Cine Metrópole, também dentro da galeria, eram locais de paquera.
Então, a Galeria em si era ocupada e seu entorno também. Havia um circuito por ali onde os gays faziam o famoso “footing” (ato de ficar andando por locais públicos para procurar algo, seja casual ou mais sério), por exemplo, o chamado “grand tour”, que seguia por toda Rua Sete de Abril e o “petit tour”, que as pessoas ficavam só no quarteirão menor entre a Rua Sete de Abril e a Rua Marconi. O “footing” era, portanto, feito não só no sobe e desce das escadas rolantes da galeria, como em seus corredores e ruas e quadras do entorno.
“No entanto, o relativo grau de tolerância para com os homossexuais nessa área do centro não significava necessariamente que eles tinham obtido aceitação social nos anos 50 e 60. Os intelectuais boêmios no centro de São Paulo podiam dividir o espaço com “dissidentes sexuais”, mas a opinião hegemônica ainda considerava a homossexualidade pervertida, decadente e não-natural. Bastava andar uns poucos metros além do Paribar ou da Galeria Metrópole, até a Biblioteca Municipal, e avaliar sua literatura disponível sobre a homossexualidade para perceber quão restrito era o material positivo acessível ao público naquela época.” Assim descreve Green em seu livro “Além do Carnaval”.
Pode-se dizer que a Galeria Metrópole só por sua arquitetura modernista, que tem um diálogo tão próximo com a malha urbana, já é, por si só, um fator importante na história da cidade de São Paulo. Tal arquitetura está tombada em níveis diferentes, de acordo com o espaço:
Cine 3 Metrópole: possui tombamento de nível de proteção 1: “corresponde a bens de excepcional interesse histórico, arquitetônico ou paisagístico, determinando sua preservação integral.”; Galeria Metrópole: possui tombamento de nível de proteção 2: “corresponde a bens de grande interesse histórico, arquitetônico ou paisagístico, determinando a preservação de suas características externas e de alguns elementos internos.”; Edifício Maximus: possui tombamento de nível de proteção 3: “corresponde a bens de interesse histórico, arquitetônico, paisagístico ou ambiental, determinando a preservação de suas características externas.”; segundo o CONPRESP, órgão de tombamento do município de São Paulo.
Além das questões de ordem da importância arquitetônica do local, considerando-se as questões da memória LGBT+, há iniciativas de registro dessa memória: podemos citar na literatura o livro “Devassos no Paraíso” de João Silvério Trevisan, o livro “Além do Carnaval” de James Green, o livro “O negócio do michê: prostituição viril em São Paulo” de Nestor Osvaldo Perlongher ou a filmografia, como em São Paulo em Hi-fi do diretor Lufe Steffen, por exemplo.
[Texto de Alexandre Akamine]
Faça o download da sinalização para esse lugar de memória aqui!
Referências:
Cunha Junior, J. (2007). Edifício metrópole: um diálogo entre arquitetura moderna e cidade. São Paulo.
Green, J. N. (1999). Além do Carnaval. A homossexualidade masculina no Brasil do século XX. São Paulo: Editora da UNESP.
Perlongher, N. O. (1987). O negócio do michê: prostituição viril em São Paulo. São Paulo: Brasiliense.
Steffen, L. (Diretor). (2016). São Paulo em Hi-Fi [Filme Cinematográfico].
Steffen, L. (20 de abril de 2018). Do footing aos afters: vem com a gente fazer uma viagem pela cena noturna LGBT de São Paulo nos últimos 100 anos. Fonte: music non stop: https://musicnonstop.uol.com.br/uma-viagem-pela-cena-noturna-lgbt-de-sao-paulo-nos-ultimos-100-anos/