Livraria Futuro Infinito

Breve histórico da Livraria Futuro Infinito

A primeira livraria do Brasil voltada ao público LGBT foi fundada e desenvolveu suas atividades na cidade de São Paulo.

Fundada em 21 de setembro de 1998 na Rua Oscar Freire 2303 e tendo como proprietário Aldo Bocchini Neto, a Livraria do Meio propunha um espaço de liberdade e de atividades culturais para o público GLS (Gays, Lésbicas, Simpatizantes), sigla muito utilizada nos fins da década de 1990 e início dos anos 2000. Na Livraria eram oferecidos aos clientes grande diversidade de produtos culturais relacionados aos temas da homossexualidade e aos estudos de gênero. Em entrevista concedida ao periódico Um Outro Olhar, Aldo Bocchini Neto descreveu o conteúdo da sua livraria como “tem livros, CDs, vídeos e objetos. Quanto aos livros, são 3 mil títulos. Por exemplo, temos livros de autoras e autores “do meio”, de todos os tempos, mais as obras de heterossexuais que, de alguma forma, abordam o tema da homossexualidade. Além disso, temos seções de sexualidade e homossexualidade, feminismo, filosofia, artes, biografias, história, quadrinhos, animais domésticos, culinária, decoração e outras, tudo pensado especialmente para gays e lésbicas. É a única livraria com tudo isso, e onde tudo está reunido num espaço planejado para esse público. Só de CDs são cerca de mil títulos, nacionais e importados, todos ao gosto do pessoal “do meio”. Temos de tudo, de Tchaikovsky a Vange Leonel; de Fred Mercury a Marina, de Madona a Renato Russo. As centenas de vídeos à venda incluem Ligadas pelo Desejo, Thelma e Louise, Até as vaqueiras ficam tristes, Seis dias e seis noites. A Do Meio tem também inúmeros objetos com as cores do arco-íris e do triângulo rosa: jóias, bijuterias, luminárias, colchas, toalhas e jogos americanos, feitos em tear manual, esculturas e outros objetos de cerâmica e de macieira, camisetas, canecas, cinzeiros, bottons, adesivos, cartões, porta-retratos e muitas peças de design moderno e exclusivo. E temos ainda todas as camisinhas nacionais, aos menores preços de São Paulo, e um bar, com mesinhas, para um bate-papo gostoso.”

Porém, apesar de ter sido um empreendimento inovador de Aldo Bocchini, que já contava com a experiência da Livraria da Vila que fundou em 1985, as expectativas que o “mercado GLS” traziam não se confirmaram nos negócios. Bocchini comandou a livraria por pouco tempo, vendendo-a logo em 1999 para Sérgio Miguez, outro livreiro experiente do meio LGBT paulistano.

Em posse do novo proprietário a Livraria assumiu novas formas: o nome foi mudado para Futuro Infinito e o endereço foi mudado, colocando-se no centro do “quarteirão gay de São Paulo” no número 1567 da Alameda Franca, nos Jardins. Mesmo com as transformações de título e espaço, a Livraria comandada por Sérgio Miguez deu continuidade à proposta de espaço cultural LGBT, concentrando-se nos temas de gênero e sexualidade e abrigando eventos e encontros entre aqueles que se identificavam com o tema. Segundo Laura Bacellar, editora que participou da criação de editoras especializadas na temática lésbica em São Paulo (Editora Malagueta e Edições GLS), o final dos anos 1990 e início dos 2000 “foi uma época de efervescência”, onde havia “um monte de gente apostando que finalmente iríamos sair das trevas do preconceito e do machismo que tinham reinado durante a ditadura”, colocando a livraria Futuro Infinito como um elemento ativo dessa efervescência, ao lado do festival MixBrasil e da Parada do Orgulho de São Paulo. Em entrevista concedida por Laura, a experiente editora descreveu o espaço como “o andar térreo tinha um monte de livros sobre sexualidade, artes, paisagismo, erotismo, um mix ótimo inclusive de obras importadas. No segundo andar ele colocou uma loja de produtos eróticos importados caríssimos, super diferentes. E no terceiro havia um salão”.

Sendo um ponto de encontro e de efervescência cultural receptiva à comunidade LGBT, a livraria sediou eventos que eram do interesse desse público: recebeu exposições como a “Capas do Jornal Lampião”, em junho de 2000; sediou o lançamento de obras literárias, como o “O que é lesbianismo”, de Tania Navarro-Swain, também de 2000; organizou festival de fanzines que traziam temas como homossexualidade e neofeminismo, o “Festival Mundial de Fanzines e Histórias em Quadrinhos”, em 1999. A partir de 2000, a livraria também sediou reuniões do grupo Umas&Outras, composto por mulheres lésbicas que promoviam discussões e saraus, reunindo entre 80 e 200 pessoas uma vez por mês. Além disso, foi espaço de convivência de encontros do projeto XTeens, que aproximou jovens LGBTs no início dos anos 2000 na cidade de São Paulo. Em abril de 2002 a Livraria Futuro Infinito também foi o local de encontro para a criação de uma entidade civil que teria como objetivo o monitoramento da mídia no que tange ao tratamento dos LGBTs, tendo entre seus integrantes o próprio Sérgio Miguez e Laura Bacelar, já citados acima.

A primeira livraria LGBT do Brasil é também marca do período da história brasileira, com ares de abertura depois de um período de ditadura e repressão, no momento histórico da redemocratização brasileira após 1988 com a nova Constituição e com efervescência de grupos civis pela busca de direitos frente ao Estado democrático em consolidação. Para Laura Bacellar, “era a respiração livre depois de tanta ditadura e quem tinha coragem saía do armário e abria algum negócio LGBT. Foram muitas as experiências: agências de viagem, restaurantes, bares, discotecas, editoras (criei o selo Edições GLS em 98), a livraria, o festival Mix, todas no pique de se identificarem como gays, GLS, com a bandeira do arco-íris”.

Relevância para a comunidade LGBT+ e sua memorialização

A importância da recuperação e construção da memória de espaços de criação, de pensamento, de encontros e de mobilização de caráter LGBT no cenário cultural, literário e artístico reside na possibilidade de encontrar no passado ações para o presente e para o futuro, além de evidenciar a participação dessa comunidade na produção cultural de nosso país. Dentre as fontes de informações que se referem à Livraria estão notícias de jornais, colunas culturais, sobretudo aquelas que citavam eventos sediados na Livraria, e fontes de história oral através de entrevistas. Essas fontes são a base da construção e recuperação da memória desse espaço que foi tão importante e representativo da agência LGBT no cenário cultural e literário com viés de resistência e existência espacial na cidade.

São dois lugares dentro da cidade de São Paulo que abrigaram a livraria. Primeiro, a Rua Oscar Freire 2303; depois, a Alameda Franca 1567. Nenhum desses lugares foi, até o presente momento, memorializado no aparato civil-estatal.

[Texto de Lilson Carvalho]

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Referências:

ABRAMO, Bia. Acima do machismo. Portal Farofafá, Carta Capital, 14 julho 2014. Disponível em <http: //farofafa.cartacapital.com.br/2014/07/15/acima-do-machismo>, acesso em 4 agosto 2018.

BACELLAR, Laura. Os primeiros livros gays numa Bienal do Livro. Fundação Verde Herbert Daniel, 1 junho 2009. Disponível em <http: //www.fvhd.org.br/forum/topics/os-primeiros-livros-gays-numa>, acesso em 4 agosto 2018.

BERGAMO, Monica. No fim do arco-íris, um pote de ouro. Folha de São Paulo, São Paulo, 17 agosto 2003. Disponível em <https: //www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1708200307.htm>, acesso em 4 agosto 2018.

Confira a programação da Semana do Orgulho Gay em SP. Folha de São Paulo, São Paulo, 20 junho 2000. Disponível em <http: //www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u1302.shtml>, acesso em 4 agosto 2018.

Entrevista: ++DoMeio>>: Primeira livraria GLS do Brasil. Revista Um Outro Olhar, n. 29, ano 12, Dez 1998-Mar 1999, pp. 16-17. Disponível em <http: //www.cpvsp.org.br/upload/periodicos/pdf/PUOOLSP121998029.pdf>.

LEMOS, Antonina. Feira: Livraria Futuro Infinito mostra edições que circulam em papel, CD-ROM e na Internet até 8 de setembro. Folha de São Paulo, São Paulo, 7 agosto 1999. Disponível em <http: //www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq07089920.htm>, acesso em 4 agosto 2018.

Mundo GLS: Livraria gay reúne humor, Garbo e pelúcia. Folha de São Paulo, São Paulo, 21 setembro 1998. Disponível em < https: //www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq21099812.htm>, acesso em 4 agosto 2018.

SP imita NY, cria “quarteirão gay” em bairros e enfrenta resistância. Folha de São Paulo, São Paulo, 25 maio 2001. Disponível em <http: //www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u29875.shtml>, acesso em 4 agosto 2018.

XTeens. Livraria Futuro Infinito, 17 agosto 2002. Disponível em <https: //www.facebook.com/pg/xteens.com.br/photos/?tab=album&album_id=185967241558734>, acesso em 4 agosto 2018.