(R)evolução de Jane Jacobs

Jane Jacobs

O número 4.2 da Revista Políticas Públicas e Cidades publicou um dossiê sobre Jane Jacobs (A cidade como trama da vida cotidiana: a (r)evolução de Jane Jacobs)e o impacto de suas ideias, e nesse dossiê foi publicado o trabalho “Lendo Jane Jacobs”, realizado pela disciplina “História do Urbanismo Contemporâneo” da FAU-USP no segundo semestre de 2016, e orientado pelo professor Renato Cymbalista.

Políticas Públicas & Cidades é uma revista científica que tem por objetivo publicar trabalhos da área de Urbanismo. Fundada em 2014 incluiu a partir do v. 4 o Urbanismo e o Planejamento Urbano e Regional como as áreas principais da revista. É indexada nas bases Directory of Open Access Journals (DOAJ), Crossref, Latindex, Associación de Revistas Latinoamericanas de Architectura (ARLA) e Public Knowledge Project (PKP).

Se tivéssemos que eleger um único livro que representasse a história recente do urbanismo no Ocidente, possivelmente a escolha recairia sobre “Morte e Vida das Grandes Cidades”. O livro de autoria de Jane Jacobs publicado em 1961 modificou as regras do jogo das cidades em todo o mundo. Jane Jacobs não foi a única nem a primeira voz crítica ao urbanismo modernista arrasa-quarteirão que prevaleceu nas décadas de 1940 e 1950 no hemisfério Norte, mas o seu livro atingiu em cheio a opinião pública e apoiou a construção de um senso comum crítico dos grandes projetos de “redevelopment” e valorizador dos tecidos urbanos historicamente constituídos.

A leitura de “Morte e Vida…” nos permite, na verdade, problematizar o conjunto do urbanismo do século XX, tanto pelas radicais críticas que a autora faz simultaneamente ao modelo modernista corbusiano baseado em “torres no parque”; à cidade jardim descentralizadora de Ebenezer Howard e às propostas de planejamento regional de Lewis Mumford e da Regional Planning Association of America; quanto nos permite identificar a origem da sensibilidade atual que valoriza os tecidos históricos, a sociabilidade das ruas e calçadas, os bairros de usos mistos. O livro é, portanto, um daqueles clássicos que permite decifrar passado, presente e futuro de uma disciplina e de uma sociedade.

“Morte e vida” traz também uma abordagem de gênero muito pronunciada, toda a análise de Jacobs do tecido urbano é baseada em relações sociais, usando a sensibilidade e o carinho de uma mãe preocupada com a segurança de seus filhos no trajeto da escola de volta para casa. O contraponto disso é a denúncia da cidade projetada por vistas aéreas, com planos baseados em relações de grande escala, de cima para baixo, voluntariosas e autoritárias – masculinas, portanto.

Ironicamente, o sucesso e enraizamento indiscutível das críticas e das ideias de Jane Jacobs tem como uma de suas vítimas o próprio livro: quanto mais ele é citado, menos é lido, pois temos cada vez mais a impressão de que conhecemos a autora, suas ideias e posições – desnecessário, portanto, o trabalho de ler as centenas de páginas de narrativas e ideias que apoiaram a construção do argumento. Assim, aos poucos “Morte e vida” vai deslizando do campo da bibliografia para o do mito.

O trabalho é um esforço no sentido inverso. Uma das atividades da disciplina “História do Urbanismo Contemporâneo” da FAU-USP no segundo semestre de 2016 foi a leitura e discussão coletiva do livro. Como o tempo para a leitura da obra inteira não estava à disposição dos estudantes em meio às imensa sobrecarga de trabalho, foi feita uma dinâmica de leitura compartilhada: as 23 seções do livro foram divididas pela turma, e cada um foi lida por 2 a 3 alunos. Os alunos foram divididos em 4 grupos, correspondentes às 4 partes do livro, e em um primeiro momento houve uma discussão de cada parte. Cada grupo escolheu um relator, que trouxe as principais ideias-força de cada parte. Mais do que resumir o livro, a pergunta era sobre a atualidade de suas ideias: em que medida “Morte e vida” traz discussões ainda pertinentes par aa contemporaneidade, e em que medida merece uma leitura mais distanciada e historiográfica? O veredito do grupo defendeu que a obra é, em grande medida, atual, em que pesem elementos anacrônicos e por demais referentes à realidade urbana norte-americana de meados do século XX. Leia aqui o trabalho na íntegra